17 de maio de 2012 | By: Rita Seda Pinto

Realidade e fantasia

Realidade e fantasia


Rita Seda



Gosto de ver filmes que tragam algum enriquecimento para mim. Nesta quaresma tive a sorte de ver alguns filmes muito bons na TV Aparecida. Um deles intitula-se:”Meu pai:uma lição de vida”. Nele tem uma cena entre pai e filho que teve muito a ver comigo. O pai, velho e triste porque sua esposa havia tido um problema cardiovascular e estava internada. O filho, que veio fazer-lhe companhia, deu-lhe boa noite e foi dormir. Notando que seu pai não apagava a luz, o que significava que não se deitara, foi ver o que havia e deu com o velho sentado na cama, como que esperando alguma coisa. Faltava-lhe o pijama e ele explicou ao filho que sua esposa é que entendia dessas coisas e ele nem fazia idéia de onde ela guardava as roupas. Dei um suspiro de alívio...Pensava que só em minha casa aconteciam coisas desse tipo. Graças a Deus! Outros também passam tais apuros! No dia em que fui hospitalizada tive que ir de ambulância. Não porque estivesse tão mal. O médico exigiu. Fui como uma encomenda com endereço. Um tipo SEDEX que tinha portador e destinatário e devia ter assinatura de recepção. Ainda vou entender... Como fui impedida de passar em minha casa para apanhar meus pertences Ivon fez isso por mim. Tudo bem. Quando abri a mala que ele levou tive vontade de chorar. Só a escova de dentes estava certa. Pijamas? Roupas? Chinelo? Ai, meu Deus! Coitado do Ivon!...Na primeira noite usei a camisola do Hospital, velha e surrada, que nem fechava mais e esperei o outro dia para dar um jeito. Fiz o desenho do armário, escrevi o que tinha aqui e ali e o Ivon foi buscar outra vez. Mas quando tem que dar errado dá mesmo. Foi pior a emenda do que o soneto. Graças a Deus estava de bom humor, tranqüilizei-me. E pensei que não adianta fazer tempestade em copo dágua. O que interessava era sarar e vir embora. Tive que dormir com roupas de uso diário e saí do hospital com camiseta do Ivon...Mas tive que achar muita graça quando me queixei para Letícia e ela caiu na risada. Lembrou-se de quando eu separei uns pijamas e camisolas melhores e lhe disse que eram para serem usados quando eu tivesse alguma internação. Não queria passar apuros...Rimos os três juntos. É, o velho do filme tinha razão, roupas, sejam de uso pessoal, de cama, banho ou mesa, só as esposas sabem onde estão...

Ler

Ler é uma arte


Rita Seda



Meu amor pela leitura devo a minha irmã Carminha. Começou a ensinar-me a ler muito cedo, quase que por brincadeira. Ela ganhara de um namorado um banquinho, miniatura dos bancos de nossa praça. Leu para mim o que estava escrito nele, eu gostei da primeira aula e não a deixei mais em paz. Naquele tempo os livros eram raros, pelo menos em nossa casa. O primeiro que ganhei foi um de poesias do escritor Bastos Tigre. Logo, já sabia de cor o conteúdo, mas continuava lendo. Outro, foi Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato. Fiquei fascinada! Pedia mais! Lia, também, todos os meses, a revista Ave Maria e o jornal Semana Religiosa, do Bispado. Tinha verdadeira fome de ler. Dodô sempre trazia, de São Paulo, revistas em quadrinhos que ele lia primeiro e depois passava para mim. Não tenho certeza, parece-me que era o Gibi. Gostava muito de histórias de fadas, devorei os “Contos de Grimm “, “Os mais belos contos de fadas Iugoslavos” e amava as aventuras de Pedro Malazarte. Ivon comprou num sebo um livrinho de contos folclóricos brasileiros, de autoria do afamado Câmara Cascudo e nele estão inseridas seis histórias do arteiro Pedro.Para mim foi um prato feito. Pude recordar histórias que amei, que li e contei, com muito gosto, para meus filhos e alunos. Tem também a história da Moura Torta, que os alunos amavam, pela lição que a maldosa bruxa tomou. Eu havia esquecido alguns detalhes, foi bom recordar. Coisas que a gente viveu e que é gostoso relembrar. Há um verdadeiro fascínio na literatura de ficção. Valeu ter sido alfabetizada cedo, pois tive mais tempo para ler.- Obrigada, minha irmã! Do meu tempo de criança tenho entre outros, um livro que era usado nos primeiros anos escolares. Ainda me causa muita emoção pelo seu conteúdo de textos italianos baseados em revoluções e a coragem das crianças que ajudavam os militares. Minha história predileta era “O tamborzinho sardo”.Nome do livro:”Coração”, autor: De Amicis. O livro é um amigo de quem podemos desfrutar, que nos fala à alma e está à nossa disposição para nos fazer companhia na hora que quisermos. Temos um neto devorador de livros. É o Felipe. Estou certa de que esse gosto contribuiu para que ingressasse numa faculdade federal. Ler é isso: distrai, instrui e incute valores no leitor.



Maritacas molhadas

Maritacas molhadas


Rita Seda



A gente tem que parar de vez em quando para lembrar os fatos engraçados do nosso passado. Os tristes, e todos devem ter alguns, devemos esquecer, após tirar alguma boa lição. Hoje quero me lembrar de minha rua quando eu era adolescente. As casas baixas, simples, quase todas com a porta de entrada colocada na beira da calçada, janelas baixas, de madeira, poucas com vidraças. Muitos quintais, alguns com árvores frutíferas convidativas. Luz fraca, postes de madeira, pouquíssimos fios de telefone. Era calçada, sim, com paralelepípedos, o que lhe dava um certo “ar de importância”. Poucos carros passavam. Todos os moradores se conheciam e eram amigos. Tenho muita saudade daqueles que já se foram. Havia muitas adolescentes e éramos como as maritacas: tínhamos o hábito de viver em grupo. Hora de ir para o colégio, íamos de bando. Para o footing na praça? Nem precisa dizer que iam todas juntas. Engraçado, quase não havia rapazes em nossa rua. Lembro-me dos primos, dos empregados da padaria e só! Até parece que o grupo era fechado para o sexo oposto! À noite, dia de semana, quando não havia razão para ir à praça ou se não passava filme que valesse a choradeira para obter a permissão dos pais, ficávamos assentadas em duas portas de venda, bem na esquina, papeando feito maritacas. Às vezes falava-se baixinho, outras vezes mais alto, que nessa idade não se tem muito controle com a tonalidade da voz...Muito riso, por tudo ou por nada, tudo inocente. Nem pensávamos que os donos da casa poderiam sentir-se incomodados. E se pensássemos, esperaríamos, no máximo, uma bronca e bateríamos em retirada, todas juntas, rindo ainda mais... E assim foi passando o tempo, até que numa noite de frio, em que, com certeza, nos excedemos e a irritação dos donos da casa ficou insuportável, fomos surpreendidas por um jato de água gelada que veio por debaixo das duas portas ao mesmo tempo! Ninguém se salvou! Todas deram um salto e correram gritando como maritacas, só pensando em mudar a roupa... Ao queixarmos para nossos pais eles acharam graça e alguns ainda diziam: demorou a acontecer...Os donos da casa foram bem criativos,no julgamento dos nossos pais, mas para quem saiu pingando água gelada, foram simplesmente maldosos. Deixamos em paz a casa das duas portas e escolhemos outro lugar mais acolhedor! Mas continuamos nos encontrando... e nos comportando do mesmo modo, que só a idade pode mesmo mudar!



Teu manto azul





Eu quisera mãe querida,

Ao ver teu manto tão rico

Ser desse manto uma parte

Pra ficar perto de Ti.



Mas sou pobre e nada tenho

Para nele acrescentar...

Ser o veludo azul

Ou as pedras que o enfeitam?



Não é pra mim. O veludo é nobre,

Eu sou pobre. As pedras, caras.

E reluzentes. Eu, o que sou?Nada!

Franjas douradas? Quem sou eu?...



Mas eu quisera mãezinha,

Ficar perto de Ti,cobrir-te

A imagem singela...

que mora em meu coração.



Já sei! Serei a linha que borda,

Que costura, que une as pedras.

Ficarei do lado avesso

Ainda mais perto de Ti!





Cuidado demais...ou de menos?

Cuidado demais ...ou de menos? Rita Seda Estávamos todos reunidos em casa de uma pessoa da família quando os dois garotos chegaram, vindos da corrida de kart. Abrindo a mochila um deles jogou nos braços da mãe um bolo de roupas e disse:-Pegue aí, mãe, as roupas do Bruno. Ao que Bruno retrucou, rindo:- Tá louco, rapaz?Será que eu estou pelado? –Uai, não pensei nisso. Vi as roupas penduradas e pensei que eram suas e que ia esquecer por lá... De quem são, então, essas roupas? Todos riam, mas estavam curiosos em saber o fim da história.-Devem ser do rapaz que se acidentou no kart e saiu de ambulância... Puxa vida! Na próxima corrida, devolveremos. Quando fui a um casamento em Aparecida havia muitas jovens da mesma idade minha. Eu tinha levado um batom marca “Toque Italiano”, última novidade no comércio. Tive tanto cuidado para não o perder que, quando abri minha bolsa, já de volta em casa, encontrei, não um, mas dois batons daquela marca e da mesma cor. Devo ter ficado vermelha de vergonha e tive o trabalho de telefonar para cada uma das companheiras para devolver o batom... Em compensação, uma grannnnnnnnnnde amiga, colega de escola, depois que nos formamos, levou por empréstimo um vestido meu, era vermelho e enfeitado com fitas de cetim da mesma cor. Era lindo! Tomou chá de sumisso, a amiga e com ela meu vestido. Até minha família sentiu, pois a roupa e os sapatos eram novinhos... Foram por mim, usados, uma única vez! É a vida, nada é só nosso, num instante podemos perder algo que gostamos muito. Tomara que a tenha feito feliz! Numa viagem que fizemos para uma cidade turística, nos hospedamos no hotel de sempre, foi tudo bacana. Ao desfazer as malas, na volta, notei que faltavam as sandálias confortáveis que uso sempre. Tendo amigos naquela cidade pedi a um deles que apanhasse a minha encomenda no hotel, eu já havia combinado com o gerente e ele garantiu que guardaria para mim. Parecia tudo certo, mas quando abri o pacote onde deveriam estar minhas sandálias tão esperadas, tive a maior decepção: havia, sim, sandálias, mas em estado de ir para o lixo... Quis falar com o gerente novamente, mas estava tão brava que preferi curtir o meu esquecimento com um “mea culpa...” Quando se fica brava o melhor é silenciar! Para não se arrepender depois. Assimilar a lição e não cair noutra...

Decepções

Você já viu uma calçada de cimento com vários cortes verticais, fundos, plantados de grama? Eu também vi. Gostei e quando fomos reformar nossa casinha na chácara quis copiar o modelo na frente da casa. Ficou linda! Sempre que podia regava a grama e quando precisava podar eu o fazia delicadamente com minha tesoura de poda. Durou uns bons anos. Dia destes, pedi ao meu ajudante que “coroasse” as roseiras que ficam no canteiro ao lado da calçada e estavam ficando sufocadas...de tanto mato! Tempo de chuva é assim mesmo, crescem as roseiras, mas o mato cresce bem mais! Ele faz os serviços na chácara quando quer e pode, pois presta este mesmo serviço em muitas outras chácaras perto da nossa e tem as chaves. Pessoa de extrema confiança. Não estava lá quando ele o fez. Não me preocupei, estou acostumada com seu trabalho bem feito. Ao chegar, dias depois, nem parei para observar a calçada, agi normalmente realizando minhas tarefas. À tardinha fui regar minhas flores. Geralmente é nessa hora que eu podo, que eu vejo os progressos de cada pezinho de planta. Quando cheguei à calçada para regar e varrer, quase perdi o fôlego: meu fiel ajudante havia colocado ”randap” e matado minha grama. Estavam sequinhas, amarelas, mortas! Não lhe disse nada. Não perguntei nada. Para quê? O que está feito, feito está. Não se pode remediar. A dor era minha e da calçada. Nem nas gramas havia mais dor. Já não tinham vida. E ele, certamente, não fez por mal. Se a gente sente tanto a perda de umas fileirinhas de grama que cuidou durante anos e amou antes até, de tê-las, como são doloridas as perdas das pessoas que amamos... Pessoas que vivem perto, pessoas que vivem longe, mas que têm lugar especial em nosso coração! Sabemos que elas estão fazendo o percurso natural da vida e que o chamado vem de Deus para uma vida melhor, fechando o ciclo da existência nos braços do Pai, mas como dói! O melhor a fazer por elas deve ser o que eu fazia com minha grama: ter cuidados e dar afagos em vida, porque depois que se vão, o que ficou sem fazer, é problema sem solução. Vamos demonstrar mais afeto a quem está perto ou longe de nós e que nós amamos de coração? Para quem está perto, sejamos afetuosos e valorizemos sua presença; para quem está longe, não tem desculpa, podemos contar com tantos meios de comunicação! Alguns culpam a falta de tempo... A vida está corrida para todos porque está sendo mal usada. Os valores estão invertidos e a sede de fazer só o que dá lucro e prazer tomou conta da humanidade. A vida complicou-se em nome da pressa. Queremos tudo para ontem... Não sabemos mais planejar, esperar, preparar, curtir os momentos. Curtir quem amamos. Para onde caminha o homem? É preciso acordar!