23 de setembro de 2009 | By: Rita Seda Pinto

Tapera

Tapera...
Rita Seda

Você passa pela estradinha sinuosa, sem calçamento e quase não olha para mim. Já se acostumou com minha presença ...Com minhas paredes arruinadas, meu telhado arriado, telhas e telhas caídas e quebradas. Minhas pequeninas janelas fechadas, mostrando um restinho de tinta azul...Se observasse veria que pés de fumo e outros vegetais que germinaram espontaneamente tomando conta do espaço que era quarto,cozinha, sala... Eu sou um amontoado de tijolos, telhas e madeiras podres, expostas ao tempo e faz tempo... Se parasse e entrasse, ou apenas olhasse para dentro de mim, veria o velho fogão de lenha, também carcomido pelo tempo, mas seus restos choram por mãos que um dia ali trabalharam fazendo o alimento de uma família. Fervendo o leite para a mamadeira do pequenino, o café e a merenda do esposo, de saída para a roça. Ou a marmita, ainda à luz da lamparina, para que ele comesse no serviço. Já tive uma sala, quartos, onde viveram momentos de felicidade marido, esposa e filhos...Momentos de carinho, de apreensão, de doença, de nascimento, de visitas, e do fim de um amor. Fim sem tragédia, sem briga, sem despedida. Embora dolorido pela traição. Abandonaram-me. Um para um lado, outra para outro lado, com os filhos... Deixaram para mim as camas, as roupas, mesas, cadeiras, prateleiras, pratos e panelas. Até o crucifixo ficou pendurado numa das minhas paredes, ao lado da foto de casamento. Nunca mais ninguém voltou, sequer para fechar a porta, que ficou escancarada e o vento fechou apiedado da minha dor.
Nada levaram. O tempo e os bichos estão destruindo tudo, Até eu... Sou uma casa fantasma que leva o estigma da traição. Um deslize que tudo encerrou, quase sem discussão. E eu? Ninguém me quis, ninguém voltou aqui, que fiz de errado? Eu, com eles, era tão feliz! Preferia que me desmanchassem, plantassem flores neste meu lugar, deixando de existir, cairia no esquecimento total, nem meus tijolos se lembrariam mais que um dia eu existi.

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